Ver uma lagarta esburacando as folhas da sua couve ou do seu pé de alface pode provocar um impulso imediato: eliminar a intrusa. Afinal, o medo de perder parte da produção é compreensível.
Entretanto, por trás de seu apetite voraz, essas pequenas criaturas escondem um papel muito maior no equilíbrio da natureza e da própria produtividade da sua horta. Mais do que pragas, elas são agentes de transformação — literalmente.
O ciclo da vida começa com uma mordida na folha
As lagartas são a fase larval de borboletas e mariposas. Durante esse estágio, elas se alimentam intensamente das folhas para acumular energia suficiente para a metamorfose. “Elas são uma etapa essencial no ciclo de vida dos lepidópteros. Cada uma que você elimina é uma borboleta a menos no futuro, o que afeta diretamente os serviços ecológicos de polinização”, explica a bióloga e consultora ambiental Gabriela Andrade, que atua com ecossistemas urbanos.

Esse ciclo, que vai do ovo à lagarta, depois à crisálida e finalmente ao inseto alado, é uma das mais belas demonstrações da natureza em movimento. Quando você interfere nele, acaba reduzindo também o número de polinizadores no ambiente — e isso impacta diretamente a produtividade das suas hortaliças, flores e árvores frutíferas.
Polinizadores essenciais, mesmo quando ainda são larvas
Borboletas adultas como a Ascia monuste, comum no Brasil, são visitantes frequentes de flores de manjericão, coentro, girassol e outras espécies comestíveis. Sua função? Levar pólen de uma flor para outra, garantindo a produção de sementes e frutos. “A polinização feita por borboletas e mariposas complementa o trabalho das abelhas. Cada espécie tem um papel distinto e importante”, afirma o engenheiro agrônomo Leandro Farias, que pesquisa fauna auxiliar em áreas agrícolas.
Eliminar lagartas de forma indiscriminada pode parecer uma medida protetiva, mas, no fundo, é um tiro no pé. Sem polinizadores, a formação de frutos como melancia, abóbora, berinjela ou pimentão pode cair drasticamente. Um jardim com menos insetos também tem menos vida — no sentido mais amplo possível.
Alimento para pássaros, répteis e até outros insetos
Além de prometerem se transformar em borboletas, as lagartas também ocupam um lugar vital na cadeia alimentar. São fonte de alimento para aves como sabiás, bem-te-vis e joões-de-barro, que dependem delas para alimentar seus filhotes. Lagartixas, sapos e até morcegos insetívoros também as incluem no cardápio natural. E não para por aí.

“Lagartas atraem vespas parasitoides e outros predadores naturais que ajudam a manter as pragas sob controle de forma equilibrada”, destaca Gabriela Andrade. Ou seja, ao tolerar algumas lagartas, você pode estar atraindo aliados silenciosos que reduzem populações de pulgões, cochonilhas e lagartas mais agressivas.
Os estragos não são tão grandes quanto parecem
Sim, algumas lagartas se alimentam de folhas jovens ou fazem buracos visíveis. No entanto, quando a planta está bem nutrida e cultivada em condições ideais, ela é capaz de se regenerar rapidamente. A maioria das lagartas, aliás, tem preferências específicas por determinadas espécies, como o maracujá ou a couve. Isso significa que o impacto não é generalizado.
Em vez de exterminar, é possível manejar. Plantas atrativas, como a salsa e a calêndula, podem funcionar como distrações naturais, desviando as lagartas para áreas menos sensíveis da horta. Outra estratégia eficaz são as barreiras físicas, como o uso de telas finas para proteger mudas recém-plantadas.
Horta viva é horta diversa
Uma horta que abriga lagartas é também uma horta que acolhe a vida em sua forma mais ampla. Diversidade de plantas — flores, ervas, hortaliças e espécies nativas — atrai não só borboletas, mas também abelhas, joaninhas e outros insetos benéficos. O resultado é um ecossistema mais resiliente, bonito e funcional.
“O cultivo biodiverso é a base para uma horta equilibrada. Plantas diferentes criam microclimas, abrigos e ciclos alimentares completos. Isso reduz o aparecimento de pragas descontroladas e fortalece todo o sistema”, explica Leandro Farias. Em outras palavras, permitir que algumas lagartas fiquem é uma escolha inteligente e sustentável.
Cultive consciência, não apenas vegetais
Matar lagartas pode parecer um gesto simples, mas suas consequências reverberam. Mais do que uma escolha momentânea, é uma decisão sobre o tipo de jardim e de mundo que se quer cultivar. Ao optar por manejos sustentáveis e integrar a natureza ao seu cultivo, você favorece não apenas a beleza e a produtividade da horta, mas também a preservação da vida ao redor.
Afinal, como a natureza insiste em nos mostrar, cada criatura — até mesmo aquela que fura uma folha — tem seu papel. E talvez, ao proteger as lagartas, você esteja fazendo muito mais do que preservar uma planta. Está fortalecendo um ciclo que sustenta tudo o que cresce. Inclusive, a sua própria relação com o verde.

Mel Maria, é proprietária da floricultura Mel Garden e apaixonada por plantas e jardinagem, dedica sua vida ao estudo e cultivo de uma variedade de espécies botânicas. Sua paixão pela natureza a levou a se tornar autora do site e uma jardinista experiente, cujo conhecimento é compartilhado com os leitores.
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