Há momentos em que a natureza se manifesta de maneira tão sutil e extraordinária que só os olhos atentos são capazes de perceber. É justamente esse tipo de espetáculo que vem acontecendo com mais intensidade a cada virada de estação no Jardim Botânico de Curitiba. Entre o fim do verão e o início do outono, uma visita inesperada transforma a paisagem: dezenas de borboletas transparentes, algumas raríssimas, tomam os campos floridos da unidade de conservação como palco para suas delicadas danças.
Elas pertencem à tribo Ithomiini, um grupo que reúne espécies de asas translúcidas, quase etéreas — por isso conhecidas como “asas-de-vidro”. Embora pareçam fantasmas coloridos no ar, sua presença é concreta e cada vez mais notável na coleção Campos Curitibanos, uma área de mil metros quadrados localizada atrás da emblemática estufa do jardim. Essa porção do parque, voltada à preservação de ecossistemas nativos do Paraná, ganhou recentemente o Prêmio Helena Quadros por suas ações conservacionistas — e não por acaso.
Uma dança que segue o ritmo das estações
Segundo a bióloga Maristela Zamoner, responsável pelo levantamento das espécies no local, o fenômeno se intensifica justamente na transição entre as estações. “É quando as plantas entram naturalmente em declínio, encerrando seu ciclo de florescimento e liberando substâncias que se tornam atrativas para certas borboletas. Entre elas, as asas-de-vidro parecem ter uma relação especial com esse período”, explica.

Esse comportamento, aparentemente discreto, revela um equilíbrio ecológico que vai muito além da estética. Enquanto a maioria das flores perde o viço com a chegada do outono, é nesse exato momento que determinadas plantas, como o cambarazinho (Chromolaena laevigata), começam a exercer uma função decisiva. Nativa de campos com vegetação arbustiva, essa planta tem um ciclo florístico sincronizado com a presença das borboletas da tribo Ithomiini. Ela floresce com força no fim do verão e, ao murchar, libera compostos aromáticos e substâncias que funcionam como chamariz para esses insetos.
Maristela, que estuda o comportamento das espécies há mais de sete anos, observa que o outono de 2025 trouxe um cenário incomum: “Neste ano, o florescimento do cambarazinho foi especialmente vigoroso. Isso pode ter favorecido uma concentração inédita de borboletas. Em um único galho, conseguimos identificar 23 indivíduos de sete espécies diferentes — algo raríssimo de se ver mesmo entre os que acompanham o fenômeno de perto.”
Uma oportunidade rara para o olhar curioso
Sacha Lubow, engenheiro florestal e curador da coleção Campos Curitibanos, reforça que não se trata apenas de um evento pontual, mas de um processo que envolve botânica, clima e tempo de observação. “É preciso estar atento. As asas-de-vidro são pequenas, discretas, e muitas vezes confundidas com o reflexo da luz nas folhas. Mas quando se revelam, é uma imagem que fica para sempre na memória”, comenta.

O especialista ainda aponta que essas borboletas não apenas encantam, mas também cumprem uma função importante na cadeia ecológica local. Ao interagirem com as plantas no fim de seus ciclos, elas contribuem para a polinização tardia e para a manutenção da biodiversidade do campo. Além disso, a ocorrência das Ithomiini serve como indicador da qualidade ambiental da área.
Se por acaso você estiver passando por Curitiba nas próximas semanas, vale reservar um tempo para visitar essa porção mais reservada do Jardim Botânico. A coleção dos Campos Curitibanos está aberta ao público e o acesso é gratuito. Ainda que exigir paciência e olhos treinados, a experiência de ver de perto uma borboleta que mais parece feita de vidro é daquelas que nos reconectam com a beleza silenciosa do mundo natural.

Autora convidada, Ivani K. é uma paisagista e jardineira com mais de 30 anos de experiencia, apaixonada por criar espaços que vão além da estética. Seus posts são informativos, criativos e motivadores, ajudando as pessoas a criarem seus próprios oásis verdes.